17 de junho de 2010

Schemata de matar e a fodelança grega

Um trocadilho de morrer (tá, parei).

Schemata é um jargão legal em psicologia para falar de esquemas de representação e interpretação visual. Toda civilização partiu de schemata para ver o mundo. Em arte, isso significa que cada civilização "via" imagens de uma maneira diferente. Pense nas pinturas egípcias, ou nas japonesas. É bater o olho pra saber que são de tal e tal povo. Estou resumindo o conceito ao extremo, mas é basicamente isso; não é dele exatamente que eu vou falar aqui, e sim do boom maravilhoso que foi a derrapada dos gregos na história da arte.

Issan Ichinei. Daruma (Bodhidharma).
Pintura do Período Kamakura (século XIV).

Mil dinheiros pra quem adivinhar de onde vem essa.

Estava eu aqui estudando quando simplesmente fui acometido por uma obrigação de dividir isso. Amigues, vejam que bonito:

[...] a juventude de um Estado deveria praticar apenas aquelas canções e poses consideradas boas: essas eram prescritas minuciosamente, e as prescrições eram afixadas nos templos. Fora dessa lista oficial era, e ainda é, proibido a artistas e pintores e a todos os outros que produzem poses e representações a introduzir nelas qualquer inovação ou invenção, seja nas ditas produções, seja em qualquer ramo da música, que extrapole as fórmulas tradicionais. E no Egito encontramos coisas pintadas há dez mil anos (e não digo levianamente, mas literalmente: há dez mil anos) que não são em nada melhores nem piores que qualquer obra dos nossos dias, mas elaboradas com a mesma arte... (PLATÃO apud GOMBRICH, Arte e ilusão, p.105-106) 

Isso aí foi Platão falando da arte egípcia, na sua obra bico-do-corvo/inacabada As Leis. Sim, ele pagava pau pros egípcios, por causa de toda aquela viagem dele do mundo das ideias e tralala. Pra quem não lembra, pra ele havia toda uma coisa de ~mundo das ideias~ e ~mundo material~. Ideias feitas, formadas, perfeitas, contra aparências toscas que nossos pobres olhos são obrigados a ver, pois não são capazes de alcançar um estado de espírito májicko o suficiente para abraçá-las. Para Platão, um artista apenas imitava uma ideia, enquanto um artesão a realizava de fato, trazia o conceito ao mundo da matéria.

Por isso ele pagava pau pros egípcios. Eles eram especialistas em não mudar porcaria nenhuma.

Pintura no túmulo da garçonete Rainha Nerfertari. 1298 a.C.

Como bom ranzinza que devia ser, Platão achava um absurdo aquelas inovações de pintura e escultura dos seus contemporâneos gregos. Devia andar pela ágora, tirando carrapato da toga resmungando “no meu tempo...” enquanto desviava de cavalos gigantes de madeira (oi?).

Mas afinal, o que diabos tornou os gregos tão importantes na arte?

A quebra do schemata.

Até então, no mundo, no Brasil e em todo o universo, toda representação visual era baseada em schematas criados há eras. Os pintores de tudo quanto é canto não eram nem um pouco naturalistas: seu processo de criação de imagens não baseava-se na observação das formas que eles viam na realidade, mas sim na imitação de esquemas. Fórmulas, mesmo. A arte egípcia é o exemplo mais clássico e fofo e amado que temos (s2), mas é só ver a arte do Oriente que dá na mesma. Pode-se dividir o “estilo” por civilização, mas não por artista. O uso do esquema era generalizado.

Esse foi o pulo do gato dos gregos. Eles foram os primeiros a se tocar e dizer “ei pessoal, e se a gente fizer a cabeça desse jeito?”. São eles os responsáveis pelas primeiras correções no quesito Imitação da Realidade. Não foi um processo natural de evolução. Eles foram a única civilização com semancol, mesmo. Dá pra ver isso muito bem em algumas esculturas, num período de menos de 300 anos. Digam oi aos rapazes:

1. Apolo de Tenea. Século VI a. C. Mármore de Paros
2. Apolo de Piombino. Século V a. C. Bronze.
3. O menino de Creta. Século V a. C. Mármore de Paros.

Essas três esculturas são formas clássicas chamadas kouros, representações de rapazes jovens e bonitos (ui). Dá pra ver uma "evolução" aí, da primeira pra terceira. A rigidez dá lugar, aos poucos, à vivacidade, com pouquíssimas alterações na estrutura. O Apolo de Piombino só tem os braços levantados e a perna levemente mais adiante; o menino de Creta apresenta uma ligeira torção no tronco, dando movimento à estátua.  E isso aí estava muito, mas muito perto disso aqui:

Não preciso do meu braço já que não tenho pinto.
Praxíteles. Hermes e Dioniso. Mármore de Paros, 2,10m. 343 a.C.

O que uma empinadinha não faz, né?

Além da quebra gradual do schemata e da mitologia pansexual-incestuosa, foram eles os primeiros a deslocar as imagens de sua função primeira, a ponto de sair copiando várias delas em muitos lugares apenas porque... eram bonitas. Antes disso, todas elas tinham uma função específica, fosse retratar um feito de guerra, ilustrar uma cena religiosa ou coisa do tipo.

Sim, pessoal. É isso mesmo, se vocês chegaram à mesma conclusão do tio Gombrich. Foram os gregos que inventaram a arte como a conhecemos hoje. Aquelas monas que andavam de toga e corriam peladas. E acabou que todo o pensamento ocidental é baseado nelas.

Por isso, criançada, lembrem-se de agradecer a Zeus todos os dias por não terem sido os japoneses a quebrarem o schemata.

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15 de junho de 2010

Da Vinci e a Maldição de Começar Demais


Eu gosto do Da Vinci, antes do Código, antes das exposições ad nauseum sobre a genialidade do ser. Sempre curti o cara, desde que eu era uma pequena terrorista com cabelo de playmobil.

Ah, os anos 90...


Às vezes eu sinto como se falar de Da Vinci fosse errado. A maior parte das pessoas te olha com aquela cara de quem assistiu/leu O Código Da Vinci e sabe tudo sobre leitura de imagens e obras, então não há mais nada a ser dito. Todo mundo está de saco cheio de saber que ele era um gênio. Todo mundo está entediado com aquelas informações de que ele era arquiteto, engenheiro hidráulico, pintor, escultor, carteiro, coreógrafo, engenheiro bélico, stripper e diarista nas horas vagas. E quem aqui nunca viu a teoria de que ele era gay (ok, as evidências apontam para bissexualidade...)?! É, o Leo é muito pop.


HATTORI, N. Diversos. 2000 (Ah, os japoneses...)

E eu vou falar dele mesmo assim.

Esse cidadão nasceu em Abril de 1452, a Europa estava saindo da Guerra-Que-Não-Durou-Necessariamente-Cem-Anos, época de disputas pelo poder territorial, intelectual e cultural. Ainda por cima ele era filho bastardo, o que na época era comum e muitas vezes interessante para o bastardo. No caso do nosso Leonardo bastardo, mais ainda. Significava que ele poderia ter todo o $apoio$ de seu pai para ser pupilo de um dos mais foderosos escultores da época e não possuía obrigação nenhuma de tocar os negócios da família para frente. Era algo do tipo “Vamos ver se o moleque dá um bom artista.”


Isso foi na época dos mecenas, caras que pagavam pra você ser artista. Apesar dessa história parecer boa demais pra ser verdade vamos lembrar que naquela época já estava muito enraizada a idéia de que alto capital cultural significava entre outras coisas soberania estatal.


De qualquer maneira Leonardo era um cara no mínimo curioso. Não bebia muito, vegetariano, acordava cedo (por seu despertador caseiro movido a água...-WHITING, R. The Art of Leonardo Da Vinci. 2005 <3 ) ... já deve ter um monte de gente pensando “Era viado mesmo...”


Evitava discussões religiosas e políticas por conta da realidade da época ( e porque ele não era nem um pouco burro), não sabia latim pois não teve estudo formal (seus estudos eram feitos a partir de traduções das obras mais importantes), a maior parte de sua educação foi através do fazer pra aprender e não do ler pra saber como faz, ah e ele dissecava corpos à noite em busca de conhecimento sobre .. tudo.


Leonardo não se restringia a apenas um projeto se nesse meio tempo surgisse algo que atiçasse sua curiosidade. Como isso acontecia com uma certa frequência, considerando que o Sr. Da Vinci tinha uma mente inquieta cujo objetivo primevo era descobrir sempre mais acerca do “significado da vida”, ele começou a perceber que poderia combinar interesses de diversos tipos de conhecimento dentro de uma única proposta. Havia criado a noção de que a arte e a ciência eram como café sem açúcar ou arroz sem sal. Você consegue tomar/comer mas sabe que está faltando alguma coisa.


O problema é que já havia sido criada a noção de designer: um projeto, um preço, um prazo ou você está fora. Leo era organizado com suas finanças e seus estudos interdisciplinares, mas definitivamente tinha um problema com prazos, fazendo com que seus serviços acabassem sempre rondando patronos que fossem simpáticos a ele. Acabava dependendo da boa vontade de algum amigo rico.


É quase uma paródia de nós mesmos. Quantos desenhistas/artistas/escritores começam tanta coisa e param na metade quando veem mais um coelho branco escorregando árvore abaixo... Dá pra ficar maluco só de pensar em como nossa mente consegue ser insatisfeita algumas vezes. Óbvio, nem todos são assim, mas isso é visto muitas vezes como algo ruim, é angustiante pra quem sente e irritante pra quem vê.


Esse esquema representa a evolução do raciocínio de
Leonardo a partir da tarefa de cortar um pão em fatias. (Led's Picaretagem, 2010)


É como ir no shopping com a sua mãe sabendo que você precisa comprar apenas um par de sapatos, mas que ela vai acabar achando 3 bolsas, 8 camisetas e 15 calças pra você experimentar...


Só pra concluir dando uma ênfase no lado ineparável da criatura (ouch), muitas das (possíveis) 10.000 páginas de desenhos, projetos e anotações dele mostram pequenas notas esparsas de perguntas e especulações sem resposta, ou sentenças um tanto tendenciosas como “Faça seu trabalho ser tal que após a morte você se torne uma imagem da imortalidade.”


Ele podia não ser um bom designer, mas conseguiu fazer barulho por muito tempo. Como nesse post, de novo.


PS: Eu sei que prometi uma postagem sobre Bosch <3, mas enquanto eu divagava acabei escrevendo sobre Leonardo, acontece nas melhores famílias .-.

14 de junho de 2010

GNM Investigativo/Expectativas Expectantes

Ó o climão de entrevista aqui. Teclando ao vivo (oi) em momento jornalista. Já que ninguém precisa de diploma pra fazer isso.

Estou escrevendo isso aqui na sala de aula de Gravura do quarto ano do curso de Educação Artística da UNESP de Bauru. O mesmo em que me formei ano passado. Tô aqui de bicão, dizendo que vim falar com uma das professoras pra poder começar a publicar e ganhar pontos mágicos acadêmicos a fim de engrossar o currículo pra um futuro mestrado.

Hoje (01/06) saiu a lista dos artistas participantes da 29ª Bienal de Arte de São Paulo. OK, eu acompanhei umas citações legais no twitter do momento da audiência e tal, quando estavam anunciando, mas acabei nem conferindo mais nada depois. Aqui, agora, acho que ninguém ainda viu, e como toda vez que tem bienal o povo da faculdade faz excursões pra ir ver as exposições, resolvi ver o que é que o povo tá esperando pra esse ano.

Ou seja, isso aqui vai ser basicamente um post de Por Quê a Bienal Passada Foi Horrível. Isso se as três pessoas desocupadas aqui à mesa pararem de falar de Gossip Girl. E as outras duas voltarem a uma temperatura saudável, dado o estado de encampotamento vestiário causado pelo frio enregelante bauruense.

Primeiro, Giovana. Fale da Bienal.


Bruno Müller. Giovana me ignorando. Fotografia, 400x300px. 2010.
...

Péra, ela voltou a falar daquele maldito seriado. Um momento.

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Certo, gente, o experimento não tá dando certo. Não vai dar pra escrever aqui. O Templo do Saber não está funcionando como ambiente de discussão. Vou voltar a escrever quando chegar em casa, ou estiver no ônibus voltando, ao lado do Romário (aquele ali ao lado, na fotinha em preto e branco, que até agora não escreveu nada aqui, apesar de ficar prometendo).

...

Tá, última tentativa. Acho que isso eu consigo tirar deles. Ei, digam “uma frase que represente o que espera para a bienal desse ano”. Ok, Gi diz “Lady Gaga”, depois complementa com “Puta falta de sacanagem”. Romário diz “andar menos para ir até a Liberdade”. Monalisa diz que... ela não diz nada, só fala que não espera nada porque desencanou de tudo (uhul, Mona, bem vinda ao quarto ano). Marcelo: “espero que aquele tobogã esteja lá de novo”. Ju, supersincera, “uma bosta, com sempre”.


E você achou que ele tava zoando, né?


(Observação casual: Romário diz que promete um post para o fim de semana. Que fique registrado.)
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Voltando. Agora hoje, mesmo, dia 14 de junho. Deixei o blog perdido por duas semanas porque resolvi estudar pro mestrado (sim, aquela conversa com a professora lá em cima me animou). Me endividei comprando todos os livros da bibliografia básica, mas vá lá. Agora não tem volta. Droga. (brinks) Fiquei longe porque estava lendo, mas voltei.

Arrãn.

Bienal. 29ª Bienal de Arte de São Paulo. O título da exposição desse ano é “Há sempre um copo de mar para um homem navegar”; verso estripado do poeta Jorge de Lima. Tal frase “sintetiza o que se busca com a próxima edição da Bienal de São Paulo: afirmar que a dimensão utópica da arte está contida nela mesma, e não no que está fora ou além dela”. Neste ano, a equipe de curadoria tem seis membros, cada um de um canto do planeta.

A concepção da identidade visual do evento desse ano foi superbacana, e postaram dois vídeos no YouTube mostrando todo o processo. Vale a visita, no caso de ver aquelas bolas coloridas estranhas no fundo amarelo e dizer que não entendeu nada.


Essas bolas.


Em 2010, a proposta da Bienal é aproximar a arte da política. Não no sentido “olha meu quadro, vota em mim, lol”, mas no de ambas tratarem de conflitos e paradigmas sociais. O legal é que, ao contrário de outros anos, onde a escolha dos artistas partia do Brasil e dos vizinhos, a seleção agora aboliu as representações nacionais, e tem gente de origens extremamente variadas entre os 145 artistas que vão expor. Óbvio que, como eles mesmos atestam, é preciso enfatizar um lugar e um tempo e, por isso, muitas das obras são de brasileiros, mas sem terem um tratamento à parte das demais.

Aproximo-me do fim do post. Espero que a Bienal desse ano seja legal. A última não foi aquelas coisas, com o andar vazio e as obras esquisitas. (É válido ressaltar aqui que os comentários da galerë ali de cima são todos tendenciosos, já que todos eles odeiam arte contemporânea, até onde eu sei).

E assim voltamos à programação normal.