21 de abril de 2010

Faniquitos e Rabisquitos

Arte urbana. Pixações, intervenções, grafitti ou muitas vezes puro vandalismo (será?). É a maneira mais fácil e chocante de ser visto e lembrado nas grandes cidades, com paredes cinzas e monótonas, tendo seu cotidiano perturbado por alguma mensagem ou pintura.

Diego Rivera. La Historia de México. Mural no Palácio Nacional do México. 1929.

Esse negócio de pintar nas paredes pra provocar os outros é velho, mas ficou famoso lá por 1930, com os muralistas do México, que usavam as paredes para divulgar mensagens sociais e políticas.

Prossigamos com o resumo da ópera de um CAUSO de alguns dias atrás, acontecido aqui no país tropical. O Museu de Arte Moderna (MAM) de São Paulo abriu uma exposição no dia 16, A cidade do homem nu, que relaciona o erótico com o urbano. Um artista plástico, Alexandre Vogler, ia expor uma obra, que já participou de outras mostras, intitulada Fani dark. Buuh.

Alexandre Vogler. Fani dark. Intervenções
anônimas em cartaz de divulgação da Playboy. 2010.

Ma óia que absurdo!

O que aconteceu: a assessoria de imprensa da ex-BBB (o que faz um assessor de ex-BBB?) proibiu a tal obra de ir pro museu porque ela é agressiva e denigre a imagem de Fani.

Não tem como não concordar. Onde já se viu?

Leitura de imagem, para elucidar:

Ela está exposta, indefesa, como se fosse ser atacada por algum maníaco. A pose evidencia uma ancestralidade pura e intocada, representando a virgindade e a inocência da mulher da mais tenra idade. Os dizeres “U-hu! Nova Iguaçu!” representam a ligação da donzela com seu povo, um pedido de socorro desesperado diante da situação terrível em que ela se encontra, clamando por sua gente. O texto logo abaixo, “FANI NA PLAYBOY” é um trocadilho inocente, que mostra as boas intenções da moça, dizendo que ela gosta de brincar com crianças.

Artista malvado. Só porque ela entrou pro BBB, só porque se expôs 24h por dia e depois abriu as pernas pra uma revista fotografá-la de todos os ângulos possíveis, você se achou no direito de denegri-la ao.... ao... wait, o que foi que ele fez, mesmo?

Vogler se justificou. Numa exposição que envolva a cidade e o erotismo inerente na mesma, a idéia de colocar um cartaz que seria rabiscado por quem quer que fosse visitar o espaço não é nada mais lógico. É o mesmo de um tempo atrás, na exposição do MASP "De dentro para fora / De fora para dentro", sobre grafitti e arte de rua, em que os visitantes podiam escrever e desenhar em uma das paredes. Arte urbana, criação coletiva e anônima. Não é pra ser bonito, é pra fazer pensar. É uma intervenção no cotidiano, pombas.

EGO: compêndio de cultura.

Claro que eu estaria sendo imparcial e apoiando o artista se eu não colocasse o lado dela aqui, reportado no EGO (como todos sabemos, o último reduto de sabedoria da internet):

"Em nenhum momento ele me disse que foram interferências feitas por visitantes do museu, nem que esses cartaz já tinha sido exposto no Museu de Arte Contemporânea, de Niterói. Ele enfatizou que a obra era de autoria dele, inclusive as intervenções. Ele não tinha autorização para nada, nem para divulgar a foto que está mostrando".

Claro que Vogler tentou contra-argumentar, explicar o porquê de ter aceito o impedimento e não ter exposto a obra:

“A assessoria da Fani disse que o trabalho não agregava coisas boas à imagem dela, como se ela pudesse autorizar ou não a realização de uma obra de arte".

Ainda bem que o bem e a justiça prevaleceram, porque Fani tinha a razão:

“Já pintei quadros, meu tio e minha mãe também pintam".

Infelizmente, o tio e a mãe de Vogler não pintam.

16 de abril de 2010

Arte Merderna


Oh, o horror. Resolvi falar de arte moderna. Maldita arte moderna. A pedra no sapato de qualquer professor de arte, quando o aluno vê o Abaporu (maldito Abaporu), levanta a mão com um sorriso diabólico na cara e diz “que coisa torta!”. É. Torta. E Tarsila se revira no caixão, obrigado.


Tarsila do Amaral. Abaporu. Óleo sobre tela, 85 x 73cm. 1928.

Comecemos do começo. Pra não dizer que tô falando porcaria (sozinho), vou usar como referência o livro Modernismo, de Charles Harrison, da Cosac & Naify (reclamem com ele).

O que é “moderno”? Não, sua geladeira duplex não é moderna. Nem seu Ray Ban. Muito menos a Lady Gaga.

“Modernização” foram as transformações tecnológicas e culturais que aconteceram na Europa durante e imediatamente após a Revolução Industrial, lá pelo finalziiiinho do século XVIII (isso é um “18”). Hoje em dia, ser moderno significa ser atualizado. Também significava exatamente a mesma coisa no século XIX (isso é um “19”). Olha só que evolução. Super duper!

Claro que isso complica quando a gente fala de arte e os seus –ismos. Uma obra moderna, pra maior parte da humanidade, é qualquer coisa bizarra e que ninguém entenda*, mas que algum cara jura que é arte e pôs na exposição. Aí todo mundo vai com a família feliz na Bienal, olha pra um monte de guarda-chuva pendurado no teto, aponta com o queixo e concorda com o nada, franzindo o cenho e fingindo que entendeu “arte moderna”. Arrã (e não, não é).

Marepe. Cânone. Instalação com 75 guardachuvas na 27ª Bienal de Arte de São Paulo. 2006.



Tipo... oi?


Com tantas mudanças acontecendo na Europa, políticas, econômicas e ideológicas, é claro que os artistas iam seguir a tendência (porque isso é in). Mundo novo, vida nova, yey, arte nova. Eu queria muito citar uma coisa mais curta aqui, mas eu achei esse trechinho do tio Harrison tão legal que resolvi colocar inteiro. Com observações muito phynas:

“[...] o objetivo de ser ‘moderno’ nasceu de maneira característica de uma certa percepção segundo a qual o presente estava sendo indevidamente formado à imagem do passado [que já era out], assim como de uma conseqüente perda de identificação com a tendência dominante da cultura. É razoável pensar que, onde essa perda foi significativa em termos da produção de formas distintas de arte, isso não pode ter sido apenas a experiência de alguns poucos indivíduos socialmente desajustados (ou ‘gênios’) [LOLOLOL], mas deve ter coincidido com alguma mudança maior na auto-imagem de uma parte substancial da sociedade. Se o modernismo foi à época antiacadêmico em suas origens e desenvolvimento, como em geral foi [*risos*], isso não ocorreu simplesmente porque alguns artistas se recusavam a conformar-se aos estilos clássicos [que não tinham updates significativos ou uma nova versão desde o século XVI]. Ocorreu, sim, porque todo o modo de existência em que se realizavam as intuições críticas modernistas era incompatível com o mundo de valores que as academias representavam.” (HARRISON, 2000, p. 6)

“Gênios” também ficou na sua cabeça, né? Pô, que artista é tudo desajustado social a gente sabe, Charles.

A partir da fala aqui do Charles, podemos considerar umas coisinhas. Os caras queriam se livrar do passado. Queriam se ver livres pra pintar do jeito que bem entendiam. 


Pense comigo, leitor querido. Os caras fizeram ISSO aqui:

Paul Cézanne, Banhistas. Óleo sobre tela, 208 x 249cm. 1899-1906.

Depois de uns 500 anos DISSO aqui:

Rogier van der Weyden. Maria Madalena. Óleo sobre madeira, 41 x 34cm. ca. 1430.

Sim, isso é um exagero, necessário para explicar. Não se pintou do mesmo jeito por 500 anos. Mas a pintura não mudava tanto. A maneira de representar as figuras sim: tinha toda a técnica das quatro tartarugas ninjas (às vezes me pergunto se o Michelangelo realmente gostava de pizza), havia os mestres dos países nórdicos, os espanhois e tal; mas as mudanças se resumem à perspectiva, à sombra, o uso da cor, mas nada muito além disso (que fica para um futuro post). Os modernistas transformavam a pintura em pintura pura. Em tinta-sobre-a-tela, não apenas retratos. Em boa parte dos casos, especialmente no começo, ainda era uma representação da realidade, isso eles não negavam. Mas tinha um rompimento com o estilo passado. Agora dava pra ver a marca do pincel, as cores escolhidas por puro gosto ou qualquer coisa aleatória. Havia a marca individual de cada artista.

E não, eles ainda não usavam cocô como tinta. Eu acho.

O modernismo foi um valor, não um movimento. De fato, houve muitos deles, um pior que o outro na sua corrida armamentista de lançar moda primeiro (moda, moderno, hã, hã?). Um dos que conseguiram mais fãs (eu incluso) foi o Impressionismo, conhecido galacticamente por meio do Monet.

Claude Monet. Mulher com sombrinha (Camille e Jean Monet). Óleo sobre tela, 100 x 81cm, 1875.

Moneeeeeeeeeeet! ~

Se parar pra pensar, olhar de perto, as coisas que o Monet fazia eram só manchas na tela. Rápidas e precisas. O Impressionismo roots praticamente não tinha esboço. Era tudo feito na hora, ao ar livre, com o objetivo de explorar o efeito da luz nas coisas. Cabe um parêntese aqui: impressionistas foram os primeiros a sair do ateliê pra pintar. Depois de SÉCULOS de pintura. Antes era tudo feito a partir de esboços, desenhos ou de memória. Tá vendo a dimensão da coisa? Eles eram demais! *fanboy*

Isso me fez ter uma idéia estranha agora. Na época, quando os artistas modernos abriam suas exposições, o povo ficava chocado e tinha ataque de pelanca. Onde já se viu, manchas de pincel, coisas mal acabadas, depois de MILÊNIOS dos cânones de Da Vinci? Hoje em dia, é difícil encontrar alguém que não goste do trabalho deles. Monet poderia ser endeusado por praticamente qualquer um que goste de pintura.

Será que o mesmo não acontece com os artistas contemporâneos?


Edith Derdyk. Extensão. Plástico, cordonet. Dimensões variáveis,1994-95.

Quer dizer... depois de quase um século que as pessoas realmente passaram a apreciar e dar valor para as obras daquele período. E todo mundo, hoje, só repudia e fala mal da arte atual. Será que não está acontecendo a mesma coisa?


Stefani Joanne Angelina Germanotta. Rena Vitruviana Bipolar.
Coelho mutante sobre cabeça (intervenção). Dimensões indefinidas, 2010.


Esse tema ainda vai render muitos posts aqui.
Não puxei saco do Monet o suficiente.

10 de abril de 2010

A Coisa e a não-Coisa

Éramos todos felizes com A Última Ceia, de Da Vinci, ou com A Criação do Homem, de Michelangelo, ainda que inconformados com o tamanho do pipi do Adão. A gente até dá um desconto praquelas coisas que o El Greco fazia, mas só porque tem coisas dele nos livros de arte e temos que estudar de um jeito ou de outro.

Aí chega um cara e me vem com isso:

Max Bill. Harmonia das Colunas. Litografia em quatro matrizes. 1979.

Arte concreta, leitor; leitor, arte concreta.

Antes que me taquem pedras, vamos começar do começo. Isso aí é uma obra de arte (acredite!). Com calma. Assim. O autor dessa maravilha, um suíço que teve a infelicidade de ter seu trabalho espalhado na América do Sul, foi praticamente o responsável por trazer esse tipo de modernice pra cá. A arte concreta era uma nova maneira de encarar a arte e teve seus grupos e movimentos, mas antes disso, a idéia geral da coisa era “ei, vivemos num mundo diferente, por que é que vamos ficar venerando essas pinturas out do passado, cacete?”. Não era arte abstrata. A abstração é a ausência de figuração (a representação de coisas). A arte concreta era... não-abstrata, segundo o tio Van Doesburg (1883-1931), um dos padroeiros do negócio.

Péra, eu explico.

Figuração é a representação das coisas. Abstração é a ausência de figuração. A arte concreta, a não-abstração, representava a si própria. Pontos, linhas, formas e cores não significavam nada além de si próprios. Então quando alguém olha pra um quadrado azul num fundo branco e diz “que merda, é só um quadrado azul!”, BINGO, acabou de entender a ideia da coisa.

Stefani Joanne Angelina Germanotta. Não-pessoa com não-roupa.
Assemblage (capas de botijão de gás sobre manequim orgânico). 2010.

Eu disse que era simples de entender.

Esse baile todo pra eu poder falar de não-coisas. Resolvi escrever sobre isso por causa do primeiro e inesperado comentário que recebi aqui, no post anterior.

Vejamos.

Quando a arte concreta chegou por aqui, é claaaaro que puseram a mão e o negócio começou a feder. Surgiram grupos concretistas no Rio e em São Paulo, e as briguinhas bairristas começaram. Um cara do Rio, então chamado Ferreira Gullar (1930-), liderou o bando dele e, depois de um tempo, resolveram acabar com a brincadeira, e fecharam o seu clubinho no que chamaram de Movimento Neoconcreto. Até manifesto eles tiveram, olha que bonitinho.

No comecinho do documento já tacavam na cara que a “tomada de posição neoconcreta" se fazia necessária "particularmente em face da arte concreta levada a uma perigosa exacerbação racionalista". Oh, paulistas, como vocês eram maus.

Ferreira Gullar é poeta e crítico de arte, antes de tudo, e como todo bom crítico, devia viver no mundo da lua. Em uma de suas viagens na maionese, pensou nos não-objetos:

A expressão não-objeto não pretende designar um objeto negativo ou qualquer coisa que seja o oposto dos objetos materiais com propriedades exatamente contrárias desses objetos. O não-objeto não é um antiobjeto mas um objeto especial em que se pretende realizada a síntese de experiências sensoriais e mentais: um corpo transparente ao conhecimento fenomenológico, integralmente perceptível, que se dá à percepção sem deixar resto. Uma pura aparência.

Bem simples, né? Não.

Não-objetos são coisas gritantes, estranhas, feitas pra pegar a percepção do espectador, dar um nó nela e mandar nunca mais xingar a mãe de gorda. Não existe racionalidade aparente num não-objeto. Ele é todo percebido no inconsciente (daí a viagem de orégano e o “que se dá à percepção sem deixar resto”). Ele toca o espectador, provoca, incomoda, porque o lado racional do infeliz tenta encaixar aquilo numa concepção da realidade de alguma maneira e não consegue. Transcende a ideia de pintura (pois se refere especificamente a ela), transformando-a em alguma coisa, não na pintura de alguma coisa.

Resumindo, não-objetos poderiam se chamar objetos-Gaga: aquilo não deveria estar ali, não fui eu quem fez, não sei de onde veio e não sei onde é que vou enfiar sem que junte moscas e levante suspeitas.

Alguma não-dúvida?

8 de abril de 2010

DEBUTANDO isso aqui

Um blog sobre arte. Uau, que original (na verdade é, mesmo).

Mas por que começar isso? Por que gastar seu precioso tempo escrevendo algo que tu nem sabe se alguém vai ler?

Porque o mundo é estranho. Quando se mora em uma cidade onde venta muito, em que existe uma orla de palmeiras, um calçadão quilométrico e muitas pessoas desocupadas o decorando, sendo que por alguma razão estranha a paisagem NÃO é completada por uma praia e guardassois, você sabe que tem algo estranho no ar. Bem vindo a Areiópolis. Atente ao fato estranho complementar de não ter areia na cidade. É, sem graça, estou acabando com a piadinha antes de você fazê-la. Ha!

O negócio aqui é nervoso, mano.

Todo mundo sabe que é uma tendência natural do ser humano fazer merda. Algumas pessoas fazem isso melhor que as outras, é tudo uma questão de prática ou talento natural, porém, por pior (ou melhor) que a merda seja, sempre tem alguém pra cutucá-la depois, dizer se ela tá bem feitinha ou se ela é, de fato, uma bosta.

Mas tergiverso, como diria o Cardoso. Em português: “volta pro assunto, caramba.” Tá.

Há tempos esse blog foi idealizado. Na verdade, só tínhamos o nome e o logo, que obrigatoriamente teria que ser alguma deturpação subversiva condenável da Mona Lisa, nossa amada representante-mor da pintura. Parando agora pra pensar, é meio estranho que o maior ícone da arte ocidental seja uma senhorinha andrógina sem sobrancelhas. Se bem que cada louco com a sua mania. Nós temos a Mona Lisa, o Oriente tem... sei lá, algum Dalai Lama de terracota.

Enfim. Isso é um post de estreia. Eu só deveria dizer “hey, leiam isso aqui de vez em quando, prometo que vai ser legal”.

(A parte de prometer é mentira, eu nunca prometo nada).

Espere por estranhezas e cutucões. A idéia aqui é falar sobre arte.

Sim, aquela coisa fresca e bizarra que os artistas vomitam nas telas, ou as latinhas com cocô, ou as telas em branco oh-superconceituais, os espetáculos que ninguém entende patavina do porquê MEU DEUS AQUELA BAILARINA TÁ FAZENDO O QUÊ? Esse tipo de coisa. Só que de um jeito que dê pra entender.

Vai ser divertido.